sexta-feira, 1 de maio de 2009

O trabalho e o Dia do Trabalhador

Para que serve o trabalho? Já pensaram sobre isso? Quem já não refletiu sobre aquele famoso paradigma da vida moderna: por que passar 30 anos ou mais se preparando para conseguir um bom trabalho, trabalhando ou pensando nisso durante a maior parte do tempo, se o objetivo, depois de tudo isso, é deixar de trabalhar e "curtir a vida" na aposentadoria, ou seja, nas portas da velhice, quando o entusiasmo para desfrutar o lazer, momentos com a família etc, em regra, já não é tão grande assim?

Ao longo da história da humanidade, o trabalho sempre esteve presente. Desde a etapa pré-civilizatória, o homem necessitava de movimentar-se atrás de seu alimento; a subsistência demandava a própria existência humana. Com o passar do tempo, o aperfeiçoamento da convivência social e a feitura de tecnologias, a divisão de tarefas e a organização, alimentar-se e manter-se abrigado foram se tornando tarefas não tão complicadas para o homem, a ponto de, num clã, serem delegadas a apenas alguns de seus membros, enquanto outros se ocupavam, basicamente, da criação de novas necessidades - desafio cotidiano do capitalismo, até os dias de hoje. Vieram os excedentes de produção, o armazenamento e transporte, o escambo, o comércio. Em suma, chegamos a um tempo em que, para assar um boi inteiro, não precisamos caçá-lo, bastando a visita a um estabelecimento que comercie carnes, onde podemos recebê-lo pronto para o preparo, com a eliminação de diversas etapas. Todo esse processo de facilitação propiciou mais tempo para o homem se ocupar de atividades distintas, resultando na complexa estrutura social hodierna, a respeito da qual se costuma dizer que são necessárias várias vidas para que se descubra todos os modos de vida. Será, então, que o trabalho foi a grande e derradeira invenção humana?

"Sim, é óbvio!", seria a primeira resposta daqueles que, como eu, não possuem a mínima vontade de tornar aos tempos do estado de natureza - nomenclatura dada à época pré-social pelos filósofos contratualistas, como Hobbes, Grotius, Locke, Rousseau - e correr atrás de mamutes ou coisa que o valha pra fazer uma boquinha. Os bônus do modo de vida que a maioria dos habitantes do planeta Terra pratica (não nos esqueçamos que, na própria Amazônia, ainda há tribos indígenas que vivem como há mais de 500 anos, sem contato com o homem ocidental. Sério, pesquise sobre isso!) são evidentes. Porém, os ônus existem e estão mais presentes do que muitas vezes percebemos.

Faça uma rápida descrição de você, silenciosamente. Quem você é? Qual é a sua história? Apresente-se, como numa conversa de bar. Pensou? Duvido que você não tenha mencionado sua profissão/área de atuação. Mas eu não perguntei sobre isso. O que você é, além do trabalho que possui ou quer possuir, do ramo de atividade que seguiu ou quer seguir? O que sobra de você, além de sua posição na sociedade - seja como trabalhador do mercado, dona de casa, agricultor etc? Certamente, muito. Cada ser tem em si uma riqueza de possibilidades que o torna único e essencial no mundo, e faz de sua descoberta um exercício muito interessante. Mas é fácil assim falar, você tira espontaneamente esse pedaço de você desligado da função social/laboral que exerce?

Essa é a questão: no Brasil, a exemplo de muitos outros países ocidentais e orientais, julgamos os outros e a nós mesmos pela função/posição social, pelo trabalho e seus corolários, principalmente os financeiros (leia algum dia "Os Donos do Poder", de Raymundo Faoro, e você vai entender, em parte, porque isso aconteceu aqui). Tornamo-nos atores sociais ligados de maneira inexorável aos segmentos laborais aos quais, seja pela razão que for, nos vinculamos. A pessoa que cada um de nós é por vezes não aparece por inteiro e, quando vem, chega muito depois. É mais fácil, é objetivo julgar os outros por suas profissões e posições. Então, aderimos, em regra, a esse critério. Referimo-nos a nossos amigos, parentes, vizinhos, como o cobrador, o vendedor, o juiz, o advogado, o balconista, o funcionário público, o bancário, o jornalista. Apresentamo-nos referindo nossa formação, nosso trabalho, nossa atividade. Enfim, usamos a máscara do trabalhador, encaixando-se nesse conceito também as do senhor e do escravo, do mendigo e do abastado, entre tantas outras.

Conheci certa vez um médico que, sabendo que sou formado em direito, admirou-se quando lhe contei que a grande maioria dos meus amigos não eram do ramo jurídico, confessando-me só ter médicos como amigos próximos. Olhou-me como se fosse um herege. Dei de ombros, lembrando-me de uma história que li há muito tempo atrás, sobre um viajante que, deparando-se com o mineiro saindo com as mãos sujas de carvão de seu trabalho, perguntou-lhe seu nome, que disse ser Ivan. Querendo puxar conversa, o viajante questionou a Ivan o que ele fazia, esperando ouvir a óbvia resposta sobre sua profissão de mineiro. Para sua surpresa, ouviu do esplendoroso trabalhador: "Amo minha mulher, Kátia". Surpreso, o viajante não escondeu sua momentânea perplexidade, ao que Ivan esclareceu: "Sabes que trabalho nas minas de carvão, pois podes ver minhas mãos sujas e meu rosto moldado sob a foligem. Mas isso não é o que faço de mais importante, é apenas a maneira pela qual ganho meu pão. O que faço de mais importante em minha vida é, certamente, amar minha mulher, assim como os filhos que ela me deu. É isso que vou levar comigo quando morrer, é esse o bem mais precioso que posso ter".

Nesse fim do Dia do Trabalhador, proponho que não ignoremos a importância história da data, que vem das lutas dos trabalhadores por uma jornada justa de 8 horas diárias de trabalho, numa época em que as fábricas exigiam até 16 horas por dia de trabalho de cada operário, em troca de salários irrisórios. Não olvidemos que o trabalho dignifica o homem, sim, e é, quando encarado com prudência, importantíssimo para uma vida digna em sociedade. Contudo, peço que não se esqueçam que o trabalho não é e não pode ser tudo, que a busca incessante de uma vida toda pelo acúmulo de rendas e bens não torna o homem melhor. Peço que se lembrem que ainda somos nossos ancestrais, vagando, embora talvez não espantados, por esse mundo cheio de particularidades interessantes em cada passo, precisando de não muito mais que alimento, abrigo e a companhia um do outro.

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