sábado, 2 de maio de 2009

A sensação de fazer bem feito


Hoje passei a tarde inteira sozinho com meu filho, Felipe. Ele tem 3 meses e duas semanas, e não é exagero dizer que é a minha cara: gordinho, sorriso fácil, faceiro, inquieto, curioso, grita quando está com fome . Enquanto a mamãe, a intrépida Juliana, encarava um dia no Zoológico com sua família, nós dois ficamos curtindo uma movimentada tarde de pai e filho. Felipe mamou (não lhe basta o leite materno; além dele, que é indispensável, ele toma complemento de leite em pó), fez cocô, chorou um pouco, se deliciou com minhas brincadeiras, dormiu um pouco e me proporcionou, durante todo esse tempo, muitos sorrisos. Enfim, uma tarde perfeita.


No meio disso tudo, enquanto eu limpava um volumoso cocô em sua fralda - atividade que antes de ser pai pensava ser dispendiosa, mas que é até agradável, sinceramente -, colocava uma novinha em folha e passava pomada nele para evitar assaduras, deixando-o sorridente e, literalmente, pronto pra outra, me ocorreu a ideia: como é boa a sensação de fazer as coisas bem feitas com nossas próprias mãos, independente da relevância e do resultado que proporcionem!


Explico. Muitos dos bens que logramos obter, muitos dos resultados proveitosos de nosso cotidiano, não são frutos completos de nosso esforço: ou participamos de parte de sua elaboração, ou os ganhamos, tão somente, usufruindo do resultado final, não importando aqui a razão do ganho. Exemplos são muitos. Hoje, ao que me parece, as crianças já não constroem mais seus brinquedos, pelo menos não tanto quanto antigamente: ganham-os prontos para o uso. (Particularmente, sou da época de construir carrinho de rolimã, de fazer uma funda com um pedaço de graveto mais resistente, uma tirinha de couro e outra de borracha, de fazer pipa com um pedaço de plástico, cola, dois fiapos de madeira trançados e uma linha de barbante, de ajeitar perna de pau e construir um telefone com lata de Neston e barbante. Brincava com essas e outras invenções nas ruas de Bicas e Guarará-MG. Mas já não enxergo crianças se divertindo desse jeito). Cada dia mais, enfim, participamos de um dos ideais criados pelo capitalismo: limitamo-nos a usufruir a atividade-fim; terceirizamos, um por vez, cada pedaço de nossas vidas. "Cada um no seu quadrado".


Essa realidade pode ser percebida nas empresas, nas relações de amizade (renegadas, em grande parte, às maquiavélicas "networks"), nos relacionamentos amorosos, na educação dos filhos (muitas vezes passada completamente às babás, escolas etc), na alimentação e nas mais diversas atividade cotidianas, como o corte da grama, o banho do cachorro, a limpeza do carro, entre outras. Há alguns meses, aliás, ouvi uma entrevista na televisão do jornalista da Zero Hora, de Porto Alegre, David Coimbra, a respeito de seu livro "Meu Guri", que se refere a textos que ele publicou sobre a gravidez de sua mulher, desde tal descoberta, até o nascimento e primeiros dias de seu filho, Bernardo (comprei mas perdi a vontade de lê-lo, confesso). David confessou, para meu espanto, que jamais havia trocado uma fralda sequer de seu filho, que à época já tinha mais de um ano. Justificando-se, afirmou que montou uma equipe para cuidar desses detalhes, e que sua principal participação nisso era assinar os cheques. Enfim, anunciou em público a terceirização da troca de fraldas de seu pimpolho - momento que, afirmo de carteirinha, pode parecer banal, mas é revestido de uma magia simples e simplesmente indescritível.


Sei que estamos na "era" da especialização, da falta de tempo para tarefas em princípio pouco produtivas, da terceirização em massa - o que cria empregos, não nego, novas especializações, cursos superiores cujos nomes há pouco nem se ouvia falar e todas as consequências disso tudo -, do conforto máximo com o mínimo de suor possível, essas coisas. Entendo, compreendo na medida do possível, e participo do sistema, não nego. Entretanto, peremptoriamente afirmo: a visão e o gozo do produto do trabalho de terceiros não possuem o mesmo sabor do resultado elaborado a mãos próprias, como a visão da grama bem cortada depois de uma tarde sob o sol, o sabor de uma comida caseira cujos ingredientes foram cuidadosamente escolhidos e preparados, a pia consertada com destreza em meio a muita água jorrando, a camisa passada com cuidado, o carro lavado com precisão milimétrica e, enfim e mais do que tudo, o sorriso de um filho seco e limpinho, de fraldas novas, agradecendo com um sorriso irresistível pela atenção e o carinho recebidos.

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