quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Breve reflexão

Não raro, me iludo mais e mais com as pessoas e com a possibilidade de um convívio gratificante em sociedade. Dia desses, escrevi para mim mesmo o texto abaixo:



A minha vida tem sido cercada de pessoas. Qual vida não é? Essas pessoas têm, em regra, cada vez me decepcionado mais, não por serem diferentes de mim, mas por se mostrarem desrespeitosas e alienadas em relação ao que eu penso e sinto, apesar do meu interesse pelos pensamentos e sentimentos delas e apesar de, por vezes sem querer, cobrarem de mim respeito e atenção para com elas.



Sinto-me farto da convivência intensa em sociedade. A incoerência de tantos dói no meu peito e me faz por vezes perder a esperança de cultivar amizades e relações profundas.



Simplesmente passar algum tempo próximo de alguém não significa conhecê-lo. Se há algo fora disso, eu quero. O que não planejo é seguir aguentando críticas pesadas, expressas em palavras ou implícitas no mais duro silêncio.



Sim, pode haver vida na solidão! Não raro as ideias são muito mais interessantes do que a realidade da conviência, apesar desta ser mais imprevisível, o que a torna não raro cômica, inclusive.



Pessoas sempre me irritaram, de um modo ou de outro. Por muito tempo, ponderava e tentava entendê-las e até segui-las para me aproximar delas ou para tentar encontrar uma linha de pensamento coerente em suas existências, uma filosofia de vida. Hoje, me restam pedaços de boas experiências mesclados com grandes decepções, estas sem dúvidas muito maiores.



Viver em sociedade é ter a capacidade de constantemente rir dos outros. Sem o riso, o (inevitável) julgamento alheio vira uma tragédia.



Me salvem dos humanos, por favor! Tirem-me daqui, pois há poucos cuja existência vale a pena acompanhar. Aos demais, deixo meu riso que minha alma não produz mais.



Pessimista, não? Porém, não é verdadeiro. Explico.

Pensamentos são fases. A troca de ideiais é uma simbiose constante do existir. Mudar de opinião é viver! O calor da hora traz consigo opiniões e expressões forçadas. Surpreendo-me com certas coisas que escreto, porém, as circunstâncias mudam e, depois, mudo de opinião, amenizo o que antes parecia imutável. O que sobra disso tudo, o produto de ilusões, esperanças, surpresas e utopias, sou eu.

Fácil? Não. Mas é simples. Só vivendo pra entender: o presente só será devidamente compreendido quando virar passado.

sábado, 12 de setembro de 2009

Alteridade

Colocar-se no lugar do outro talvez seja o grande desafio de uma vida humana. Não digo colocar-se em sentido simplesmente metafórico; refiro-me à vivência prática, na qual não é possível tergiversar apenas, pois deve-se agir. Vivendo na racionalidade, de onde a fuga é improvável, resta o desafio da convivência em sociedade e do choque ininterrupto de expectativas: como prover as próprias necessidades, vivenciando a liberdade que nos é possível sem tolher as necessidades e as liberdades alheias e, mais do que isso, também ampará-las no meio disso tudo?

Considero que a alteridade só é pura, humanamente possível, antes da racionalidade, na concepção metafísica do homem, como apontou Levinas. O agir ético antes da experiência, o sentir ético para além de si mesmo, para uma transcendência do ser que simplesmente é. Explico.

Quando racionalmente nos dispomos a nos colocar no lugar do outro, tentamos nos desprender de nossa visão das coisas, buscando abarcar as circunstâncias que permeiam a vida do outro. Mas em regra isso é impossível: para olhar com os olhos do outro seria preciso compartilhar de todos os momentos de sua vida, e até mesmo de seus caracteres genéticos, além da sorte de seus pensamentos e valores. Ao tentar enxergar pelo outro, criamos uma imagem distorcida e fragmentada de sua realidade, que nos é inviável decifrar. Porém, ainda assim tentamos clareá-la com nossas próprias conclusões, aplicando concepções que "a priori" serviriam para nos explicar, mas que não necessariamente explicam o outro. O que produto disso tudo, não raro, é um borrão que se chama opinião, mas que nomeamos certeza, na qual tentamos acreditar para resolver o outro e suas vicissitudes, para compreendê-lo e contabilizá-lo, embora trate-se de uma minimização do seu próprio ser que é uma estátua de barro feita por nós e para nós, mera representação, embora não raro acreditemos piamente que em tal se encontre a explicação da vida.

Se compreender o que move o outro é inviável, o que dizer de se esperar que ele também nos compreenda, e mais, que referende nosso modo de ser e dele compartilhe, enfim, que nos siga? Sempre haverá expectativas frustradas em qualquer campo das relações humanas, o acordo irrestritamente acolhido é tão raro quanto tulipas no deserto. Ceder, enganar-se, deixar passar, iludir-se: eis o produto do choque de vivência entre os humanos.

Li certa feita um escritor afirmar que um dos problemas é que somos uma sociedade cheia de vencedores. Há muitos campeões em tudo, todos querem chegar na frente e só aceitam o lugar mais alto do pódio: se lá não chegam, há inúmeras desculpas e grande frustração. O problema é que nem todos podem ser vencedores, e se pensarmos bem, o que seria um vencedor? Trata-se de uma escala fictícia, na qual nos encaixamos automaticamente, mas que nada mais é do que uma ilusão. Tal forma de pensamento só reforça o ego, o valor do individualismo, e torna o mundo um campo de competições de todas as estirpes, característica que vem crescendo ao longo da história em praticamente todo o globo.

Olhar o outro com intensidade, sem coisificá-lo, respeitando a alteridade sem julgamentos que o tornem um objeto, é possível diante do primeiro olhar, do olhar que não ignora, pois não consegue, enxergar o outro é parte de sua condição humana. Depois desse olhar vem a abstração, a racionalidade, o cerceamento da alteridade, a apreensão de alguns aspectos em detrimento de outros, a tentativa de moldar o outro às nossas concepções e desejos. Sentir, olhar o outro antes de pensá-lo: eis a condição da alteridade. Sem dúvida, uma condição fácil de ser explicada, mas difícil de ser aplicada.

domingo, 30 de agosto de 2009

Um ato de liberdade


Sem rodeios: assistam os filmes "O menino do pijama listrado" e "Um ato de liberdade". Como um cinéfilo meia boca, tenho me surpreendido como ainda é possível rodar bons filmes sobre a 2ª Guerra Mundial, mesmo que centenas já tenham abordado a história de diversos "fronts" desse que foi o maior confronto bélico da história. Diante das incomparáveis consequências de todas as nefastas circunstâncias do segundo enfrentamento mundial, que alteraram substancialmente o cenário sócio-político-econômico do globo, desde seu início até hoje, na verdade será difícil se esgotar as possibilidades de visões distintas que se apresentam acerca dessa história.

A meu ver, o mais interessante é que, depois do fim da Guerra Fria, histórias mais preocupadas em contar com a maior fidelidade possível relatos verídicos do que enaltecer a vitória dos aliados têm surgido. "O Pianista", "Operação Valkíria", "Cartas de Iwo Jima" e os filmes citados, além de muitos outros, fazem parte de um grupo de películas que, embora não logrem alcançar uma (inviável) imparcialidade, conseguem deixar o mérito do confronto de lado, mostrando que nem todos os soldados que combateram no eixo eram seres humanos execráveis, monstros que intentavam dominar o mundo a qualquer custo, e que nem todos que lutaram junto aos aliados estavam imbuídos de um espírito humanista heroico e libertador. Não se trata de obras primas, mas sim de filmes realmente muito bons, aos quais vale a pena assistir, mormente se se consegue deixar de lado impressões prévias sobre a história que nos é (insuficientemente) ensinada na escola, aqui no Brasil.

-A propósito, a Superinteressante - revista nem sempre interessante, reconheço - deste mês traz matéria que faz jus a seu nome, comentando a visão de novos historiadores sobre a 2ª Guerra Mundial. Vale conferir.

-Fora, agosto! Bons ventos prometem um setembro bem melhor.

sábado, 29 de agosto de 2009

Mudança de ideias?

Hoje deparei-me com meu trabalho de conclusão de curso. É datado de dezembro de 2005, e seu título é "O Direito Social na perspectiva da Moral Kantiana". Eis seu resumo:

"O presente estudo visa formular uma conexão entre o direito social baseado, principalmente, nas idéias do pensador russo-francês Georges Gurvitch com o sistema moral do filósofo alemão Immanuel Kant. Com base na atual crise do modelo juspositivista almeja-se a formulação e adequação do direito criado pelos grupos sociais historicamente excluídos do reconhecimento e tutela estatais a partir dos valores morais contextualizados e defendidos por Kant ao atual contexto jurídico e político do início do século XXI. Esta monografia acadêmica procura encontrar, na perspectiva da moral kantiana, a possibilidade de aplicação e real condição de efetivação do direito social comunitário".

Sorri. Trata-se de um trabalho em que busquei fundamentos teóricos para criticar o direito positivo, isto é, o direito baseado nas normas escritas, a grosso modo. Pensava, à época, que tudo funcionava errado, e não entendia completamente por que o sistema era daquele modo. Hoje, sou menos ingênuo, digamos assim. Sei que o sistema funciona em parte. O aparato estatal, modo geral, oprime com mais veemência aqueles que contra ele não podem se in$urgir com a mesma veemência, enquanto ataca de forma mais branda e garante com mais prontidão sua proteção àqueles que o mantém. Sim, os Donos do Poder ainda estão aí. Não como outrora, mas ainda fazem das suas em meio aos escudos que deveriam proteger a todos, mas que em meio à batalha do cotidiano são desviados em prol do lado numericamente menor, mas cujo eco da voz ressoa tal como uma caixa registradora, em alto e bom som. E a ordem jurídica, como não poderia deixar de ser, não raro, segue no mesmo rumo, por ora tapando seus olhos, por ora fingindo que há ainda vendas sobre olhos bem abertos, que identificam estirpes espúrias e voltadas a seus próprios interesses.

Não sei se minhas ideias mudaram, se ficaram mais claras ou tortuosas, ou se não aceito seu fracasso. Mas ainda louvo a luz sobre a cidade de Köenisberg e sobre tantas outras das quais de onde vêm pessoas dispostas a não apenas não aceitar a ordem das coisas como elas são, mas também a criticá-la construtivamente e, por que não, a mudá-la. Por vezes, murmúrios não são suficientes para se mudar a história: há que se mexer os braços também. Até porque, como disse dia desses o senador parlapatão, é muito difícil ficar pior do que está.

domingo, 23 de agosto de 2009

Pouco tempo para muitas decepções


Impressionante a quantidade de acontecimentos deste mês de agosto que fizeram jus à nomenclatura popular da época, "mês do desgosto" (ao lado, imagem de uma das maiores tragédias de todos os agostos até hoje: bomba atômica de Nagasaki - 9/8/1945). Acompanhemos alguns fatos lamentáveis que ocorreram em agosto de 2009, em terra brasilis e, mais especificamente, na bela terra de seus garrões:

- O PT, que há muito já negava o que um dia representou no cenário político nacional, cobriu de vez a própria cova da ética que pregava na gestão da coisa pública, apoiando o arquivamento de investigações do Conselho de Ética do Senado Federal sobre condutas ilícitas de José Sarney, tudo em prol do apoio do PMDB nas eleições de 2010, além de perder Marina Silva, uma das pessoas realmente sérias e comprometidas com seu ideal político que ali ainda se encontravam;
- O Ministério Público Federal, colocando o dedo na ferida, interpôs ação de improbidade administrativa em face da governadora do RS, Yeda Crusius, e mais 8, entre deputados estaduais, um deputado federal e o presidente do TCE-RS. As escutas revelaram um esquema podre de corrupção, indicando, em princípio, que a governadora e seus "colaboradores" recebiam altos valores mensais de empresa fraudadora do DETRAN-RS;

- A Brigada Militar, quando do cumprimento de mandado de reintegração de posse de fazenda em São Gabriel-RS, matou um militante do MST que estava ocupando o local com um tiro de espingarda calibre 12, pelas costas. Por óbvio, a ação era desnecessária, pois os policiais poderiam, perfeitamente, fazer uso de armas não letais, valendo-se de balas de borracha, por exemplo, a fim de evitar tal tragédia;

- O governo federal noticiou a (iminente) volta da CPMF, como sempre sob o manto do resguardo com a saúde;

- Dispararam as mortes pela gripe H1N1;

- o Grêmio continua fazendo uma campanha borocochô (é assim que se escreve?) no Brasileirão;

- O presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, é o mais novo governante da América que, em benefício próprio, busca alterar a Constituição do país para poder se reeleger, seguindo FHC, Chavez e companhia;

- As duas maiores emissoras de televisão do país, Globo e Record, degladiaram-se em lamentáveis ataques e contra-ataques, em busca ferrenha e desleal ao topo da audiência;

- O governo federal sinalizou que não aceitará o fim do fator previdenciário, cálculo maquiavélico lançado sobre os benefícios de aposentados do INSS, capaz de tirar, por vezes, mais de 30% da renda devida em face dos valores contribuídos, levando em conta a idade do segurado, tempo de contribuição e expectativa de vida;

- O preço do leite subiu assustadoramente;

- O governo do RS, em que pese tenha colocado no ar o Portal da Transparência, não divulgou o nome dos servidores e seus salários, ao contrário do que outros estados, acertadamente, fizeram.
Lembrando que o mês não acabou... e provavelmente devo ter esquecido de muita coisa. Como diria alguém que não muito admiro, mas cujo talento reconheço, só mesmo estocando comida...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Só mais uns parágrafos do cotidiano

No dia 09 de agosto passei meu primeiro dia dos pais. Não ligo muito para essas datas comemorativas, mas elas sem dúvidas me fazem prestar mais atenção nos meus sentimentos e refletir sobre o significado da comemoração que se propõe. Ser pai foi e é a melhor coisa que fiz e faço na minha vida, e não vislumbro qualquer possibilidade de fazer algo maior e melhor - parecido, talvez ser avô, quem sabe... O que importa é que cada dia com o Felipe é mais especial e surpreendente. Descobri ser capaz de amar mais e mais, de uma forma que eu não sabia ser possível, e sobre a qual realmente me faltam palavras para sequer pensar em descrever. Essa figurinha aí é o maior presente que a vida poderia ter me dado.

Tudo bem, eu ia trocar de assunto, mas não dá. Não sou capaz de escrever, mesmo que brevemente sobre o Felipe e, logo depois, comentar assuntos cotidianos que me frustam, como os escândalos do governo Yeda no Rio Grande do Sul, as armações para barrar investigações sobre atos do Sarney no Senado, a campanha do Grêmio no Brasileirão, as ameaças de Guerra do Chavez, a gripe A H1N1, de alcunha Suína, e a complexa rede de vida e busca de sentido de vida dos seres bípedes andantes que somos. Isso fica pra depois, até porque, se os Maias estiverem errados, e provavelmente estão, 2012 ainda não será o fim. Pelo menos espero - muito mais pelo Felipe do que por mim.

Então, vá lá. Só mais um pouco do Felipe. Ou de mim. Ou de nós dois. Afinal, só há pai com filho, e vice-versa. Corpos parecidos, comportamentos herdados, mas seres completamente diferentes. Ou nem tanto. Só o tempo vai dizer. Espero que, de mim, ele herde muito mais virtudes do que defeitos. Que seja mais corajoso, menos tímido, mais seguro, mais auto-confiante, mais inteligente, mais ligado a seus pais e mais tolerante com sua família e suas vicissitudes, mais altivo, menos ingênuo, mais justo, menos teimoso, mais amoroso, mais talentoso, menos grosseiro, mais equilibrado, mais humano e fraterno. Entre tantas e tantas outras coisas. Só o tempo, e o que se faz no meio dele. Por enquanto, com quase 7 meses, como vocês podem ver, ele é lindo, querido e esperto demais.


Resumindo: desejo que meu filho Felipe seja muito melhor do que eu. Tudo que eu puder fazer para tornar isso possível, farei. Por enquanto, vou criando ele tão bem quanto posso. E a foto abaixo, que tirei junto a um velho quadro, quando ele tinha 3 meses, não deixa mentir: muita coisa de mim ele já tem.

À esquerda, Marcus, dezembro de 1982. À direita, Felipe, abril de 2009.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A volta dos que não foram e a ida dos que não voltam: ideias que morrem


Apague-se julho. Muito trabalho, algumas frustrações, outras tantas alegrias, batizado do Felipe, tempo, tempo, tempo. Chega agosto, e há tanto para escrever que acabo procrastinando. Retardo novas escritas, há muitas ideias, mas como escolher?, fico na dúvida, mas não posso deixar esse espaço morrer. Morrer... morte física? Não, assunto pesado, e não se tem muitas notícias sobre os que tenham porventura dela voltado para enriquecer um debate. Morte de ideias... sim, esse assunto sim, porque a ideia que morre deixa viva (ainda) a mente na qual nasceu, cresceu, deixou de se reproduzir e morreu. O defunto é o próprio viúvo da ideia. As ideias que morrem. Está aí o tema.


Problema número 1 resolvido, passo ao segundo: não posso me estender demais. É que sou um grande assassino de ideias. Penso o dia inteiro sobre um lote imenso de assuntos e tenho sacadas a meu ver tão interessantes que por si sós me deixam felizes. Porém, deixo as ideias fugirem por entre meus dedos, voarem longe, sumirem. Quando delas lembro, não as escrevo, quando as registro, acabo não as executando. Em regra delas não recordo. Enfim, sobre ideias que morrem, sou uma sumidade, dentro do possível de minhas vinte e poucas primaveras. Então, só me resta pincelar um ponto ou outro. Noutra oportunidade escreverei mais (isso se essa não for mais uma ideia natimorta). Como disse Saramago sobre o limite de 140 caracteres do Twitter (desculpem-me os adeptos, mas sou contra a simplificação das complexas coisas ligadas à natureza humana: para mim quase nada se diz com tão poucas palavras), nesse passo chegaremos à comunicação por meio de urros.


Mas vá lá. O problema maior do ritmo da vida atual, para mim, é a falta de espaço do ócio. No ócio está a criatividade, no ócio está a contemplação, a filosofia precisa de uma dose de ócio. Com os meios de tecnologia disponíveis, somos instados a cada vez mais fazer coisas. Desdenhamos aquele tempo de respirar fundo e olhar o tempo passar: o que interessa é aproveitar os minutos, fazer duas, três, quatro coisas ao mesmo tempo, levar o notebook para a frente da TV, durante o jantar, falar no celular no trânsito, estar informado via internet pelo celular durante o happy hour. Como maturar ideias no meio desse frenesi todo? Faz-se muito, e não se faz nada. As peças se encaixam no sistema e vão, sem tempo para se pensar sobre o tipo de quebra-cabeça que está se formando.


Nisso tudo, aí estou eu. Mato ideias que tenho pela manhã por ter que me ater ao trânsito, ao trabalho, às contas, às responsabilidades. Mato ideias que tenho à noite por ter que dormir logo, porque amanhã é outro dia e devo acordar logo e tocar a vida, acompanhar as notícias, estar ligado no mundo, cuidar da alimentação, ômega 3 é importante, não pode faltar vitamina C, lavar as mãos para deixar a gripe longe. Mas as mato, fundamentalmente, porque fui incorporando, pouco a pouco, o ceticismo das pessoas que me cercam - reconheço que a falta de espírito crítico e de indignação com o status quo do mundo que vejo aos quilos dia a dia tem tolhido minha capacidade de sonhar. Fico procurando um pouco do melhor de mim que já tive no que venho me tornando.


Para onde vão as ideias que morrem? Não sei. Sei que já me empolguei com minhas conclusões idealísticas a tal ponto que só de pensar em topar com alguma ideia perdida por aí fico curiosamente feliz. Tomara que eu as veja numa dessas esquinas do meu pensamento, às vezes tortuosas, outras vezes floridas.


As ideias, boas ou más, não deveriam morrer jamais. Que morramos nós, mas que as ideias sejam imortais. Só elas o podem.


Uma ideia não morrerá: agosto será movimentado por aqui. Se há alguém aí, pode me cobrar.

terça-feira, 30 de junho de 2009

As religiões e a religiosidade


Para o horror daqueles que consideram as religiões como o ópio do povo, em pleno início de século XXI, o mundo ainda está dominado por elas. Pensando nisso, cheguei à conclusão de que por estarmos perto demais do tempo em que quem mandava eram os homens de batina, não conseguimos nos desvencilhar das consequências de anos do pensamento limitado pela religiosidade. O tempo em que as posturas de comportamento no tecido social era ditadas pelos senhores ditos responsáveis pela palavra de um Deus, ou de muitos deuses, cá entre nós, reles habitantes da Terra, para bilhões ainda não passou e, mesmo para aqueles que já ensaiam pensar por si mesmos, afastando os dogmas teocráticos, esse tempo ainda não passou direito.

Digo isso porque tenho exemplos claros em mim mesmo, em minha família e nos próximos a mim desse apego à religiosidade pragmática. Para mim, que creio, o que posso dizer de Deus é que sabemos tão pouco sobre Ele que aceitar (e sustentar) verdades imutáveis é leviano, e do pouco que sabemos, achar que Ele está em alguns lugares, junto com algumas pessoas, e com outras não, é menosprezá-lo. Se a ciência vem comprovando a interligação entre os eventos físicos, como crer num Deus superior e tentá-lo explicá-lo com a lógica humana (muitas vezes encontrada séculos e séculos atrás)? Como achar que toda forma de manifestação de qualquer coisa (escusas pela redundância) não é de Deus? A questão é que moldamos Deus à nossa própria lógica e aos nossos interesses, há séculos. Construímos e destruímos impérios, mudamos os deuses às vezes, mas em regra, não vivemos desacompanhados de divindades. Talvez por isso, mesmo preferindo acreditar na livre relação com a religiosidade e com a espiritualidade (mas relação contínua), do que no pragmatismo individual de buscar Deus num templo e deixá-lo por lá mesmo, para só re-encontrá-lo na próxima oportunidade, não deixarei de batizar meu filho.


É difícil debater um assunto que não é posto no rol das ideias que podem e devem ser aperfeiçoadas ao longo da vida. Religião não se discute, não se muda; segue sempre a mesma e deve ser passada de geração em geração. Esse é o clichê. E é daí mesmo que advém os problemas. Não chegarei no jogo político da religião no Império Romano, nas Cruzadas e nas guerras religiosas da Europa medieval, e nem debaterei o catastrófico catequismo dos indígenas no Brasil, nem o conflito Israel x Palestina ou o poder dos aiatolás no Irã. O que quero apontar é que, mesmo dominando inúmeras tecnologias, globalizando o mundo e já preocupando-se em minimizar os estragos, o homem não deixa de ajoelhar-se, de considerar-se parte de uma ordem maior. Há teorias, teorias e teorias, mas a fé, embora por vezes calada, continua lá, como sempre esteve.


Pensando sobre o assunto, a tentação de ir adiante numa direção ou em outra é enorme. Mas limitar-me-ei a só reafirmar: apesar de todo o mais, não abandonamos os deuses.


E pra não ficar chato, vai a minha história preferida sobre religião, de autoria desconhecida.

"Um jovem rabino, inquieto com os mistérios da religiosidade, decidiu abandonar seus estudos e partir numa viagem pelo mundo. Dizia aos seus superiores que devia haver um motivo para que tantas pessoas vissem Deus com perspectivas diferentes, e estava disposto a descobrir por que todos não seguiam a mesma religião, por que tantos guerreavam em nome de suas verdades religiosas, por que não se entendiam. Mesmo desaconselhado pelos mais velhos, partiu.


Viajou por anos, conheceu todo o tipo de lugares e pessoas, e tomou extensos apontamentos. Registrou histórias de povos e suas crenças, conheceu pontos de vista diametralmente opostos sobre as mesmas crenças, foi de porta em porta nos lugares onde esteve, não perdeu uma única oportunidade sequer de conversar com os sábios e doutos sobre os princípios que regiam cada religião. Foi envelhecendo e, certo dia, deu-se por conta que o peso de seus diários de viagem já era grande demais para ser carregado, bem como que estava cansado. Frustrado, decidiu retornar.


Ainda longe de seu país, mais confuso do que quando jovem, parou para descansar numa sombra, à beira de um milharal. Observou um agricultor adubando pés de milho ainda pequenos, que ao lhe ver, foi ter com ele, ofereceu-lhe água e olhou com admiração para seu tipo físico e para todo o aparato de coisas que carregava. Tímido, bradou:


- O senhor deve ser muito importante. É um homem letrado, não tem as mãos calejadas do trabalho duro debaixo do sol. Fico feliz pelo senhor, gostaria de saber ler também...

- Não pense que é tão bom assim, amigo... Estou convicto de que você, mesmo sem saber ler, consegue dormir em paz à noite, encontra um motivo para seguir adiante todo o dia. Há anos saí para procurar o meu motivo para seguir em frente, e devo confessar-lhe que não obtive sucesso.


Humildemente, o agricultor se ofereceu, solícito:


- Ora, mas tudo há de ter uma razão doutor... se o senhor disser o que é, posso lhe ajudar a procurar, dentro do possível.


O viajante riu por dentro, mas o brilho no olhar daquele homem simples tocou seu coração. Não lhe custava compartilhar um pouco da sua angústia, mesmo que fosse para fazer aquele homem rude se sentir importante.


- Procuro Deus, meu caro. Há muitos anos estudo os textos sagrados do meu povo e de vários outros povos, tentando entender por qual razão Ele não aparece a todos nós da mesma forma, por que permite que tantas coisas diferentes sejam ditas e ensinadas sobre Ele. Procuro entender seus caminhos, para me aproximar dele, procuro saber onde Ele está e que o espera de nós.


O agricultor escutou atento, arregalando os olhos. Baixou a cabeça, colocou a mão no queixo, olhou os campos ao seu redor, em um profundo silêncio. O já não mais jovem rabino sorriu, pronto para agradecer a água e seguir viagem, quando escutou as palavras mal articuladas do homem do campo, que contemplava, respeitoso, o anoitecer chegando no horizonte:


- Óia... eu não conheço outras religiões, e nem mesmo li sobre a minha. O pouco que sei da vida, aprendi por mim. E o senhor veja, eu planto milho... daqui da minha terra até o armazém da cidade, onde vendo o que colho, é um longo caminho. Eu posso escolher ir de balsa, onde posso colocar todo a produção, e viajar devagar pelo leito do rio. Eu posso também colocar uns sacos no lombo do burrinho que eu tenho e ir pela estrada, ou posso alugar uma junta de bois-de-carro e levar o meu milho e dos meus vizinhos de carroça. Indo pela estrada, eu posso atalhar por uma floresta, encurtando meu caminho, posso tentar passar pelo meio de um banhado e ganhar um dia de viagem, ou posso seguir ou duas encruzilhadas diferentes... dependendo do jeito que eu ir, levo mais ou menos milho, e demoro mais ou menos tempo pra chegar...


- Entendo, entendo - disse, em tom de impaciência, o viajante. Mas o que o senhor quer me dizer, onde está Deus no meio disso tudo?


- Pois é isso, doutor... é que não importa o jeito que eu resolver fazer a viagem, e nem importa tanto o quanto eu vá demorar pra chegar. Quando eu chegar lá , o dono do armazém não vai querer saber como eu vim, quanto tempo demorei ou por onde estive... ele só vai querer saber se o milho é bom."









terça-feira, 23 de junho de 2009

A educação e os que dela precisam

Hoje falei bastante sobre educação. Isso não chega a ser uma novidade, até porque qualquer conversa séria em que sejam analisados ou mencionados en passant os problemas morais, sociais, jurídicos, políticos, econômicos e até esportivos nacionais - como o jogador da seleção brasileira que, pasmem, nunca tinha visto nenhuma imagem da histórica vitória canarinho sobre a Itália na final da Copa de 70 -, invariavelmente descamba para a fórmula mágica: "a solução está na educação". Ou seja, a educação virou um lugar-comum, embora se trate do mais importante lugar-comum em que se possa chegar. Porém, causa-me arrepios a chegada a esse ponto de convergência, quando as cabeças param de balançar e a discussão ora acalourada por instantes cessa (prefiro muito antes o antagonismo extremo, muito mais fecundo e, porque não, divertido, quando usado com moderação).

Seja tratando da efetivação de direitos fundamentais, seja fazendo referências às mazelas do Senado Federal, seja opinando sobre os rumos que deveriam ser oferecidos aos jovens de hoje e sempre, a educação é aquele norte inalcançável, pouco palpável e extremamente abstrato, mas que é trazido para o bojo das discussões como se fosse uma realidade em plena construção ou uma possibilidade imediata. Não raro, esquecemos que o conceito de educação é tão amplo quanto a nossa estrutura social, e engloba não só a formação escolar, cidadã e acadêmica, mas todo e qualquer tipo de aprendizagem que pode chegar a nós por outrem ou (porque não) por nossa própria reflexão, em qualquer etapa da vida - seja ele "bom" ou "mau".


Apenas começando a pincelar ideias que podem (e devem) ser aprofundadas por mim neste humilde espaço e por todos em qualquer atividade - pois a educação é um problema habitual de qualquer um que conviva em sociedade -, vão aí algumas sugestões (sem nenhuma pretensão de exaustividade, embora propositalmente afastadas das quimeras teóricas) que considero adequadas e inadequadas, quando se reflete sobre educação.


- a base de educação escolar não pode ser desprezada. Começamos nosso aprendizado ainda bebês, e é nas primeiras fases da vida em que desenvolvemos a estrutura de nossas capacidades intelectivas. O ensino fundamental e médio, respectivamente, devem ser tomados como prioridades absolutas do Estado e o controle da qualidade do conhecimento ofertado deve ser rígido - ao contrário do que ocorre hoje, com a quase ausência de controle de ensino nos primeiros anos de aprendizado e a valorização não indevida, mas isolada e estruturalmente estigmatizadora do ensino superior como o meio salvador de nosso subdesenvolvimento.


- nenhum projeto de educação funciona a curto prazo. Desculpem-me os que pensam ao contrário, mas entendo que mudanças significativas não podem ser planejadas com escopo de efetividade para períodos menores que 10 anos. Essas modificações são lentas, mas se iniciadas com profundidade, seriedade, estratégia e continuidade podem demonstrar resultados satisfatórios. Isso, porém, se tratadas com a consciência de que a mão que lança a semente não pode almejar colher os frutos.


- Uma melhor distribuição de competências e verbas é imprescindível. A divisão do ensino determinada pela Constituição da República de 1988, que dá, grosso modo, o ensino fundamental para o município, o ensino médio para o estado federado e o ensino superior para união deveria ser fulminada, pois o ente que concentra mais recursos e poderia honrar o princípio da igualdade, estabelecendo programas de ensino de padrão elevado e de amplo alcance à população, possui a competência de custear o fim da cadeia, onde poucos privilegiados (como eu) que tiveram uma base sólida nas etapas anteriores podem disputar e obter o financiamento de seus estudos superiores e formação acadêmica. Podem me crucificar, mas considero que se a União deixar para as entidades privadas o ensino superior, concentrando seus esforços e recursos na (difícil mas não impossível) construção de uma base sólida do ensino fundamental, um primeiro passo rumo a uma divisão mais justa estaria dado.


- Livros, livros e mais livros. Se não pudermos chegar a consenso algum mais, que pelo menos ensinássemos os brasileiros, desde cedo, a ler e a gostar de ler.




sábado, 20 de junho de 2009

Doação de sangue


Ontem, 19/06, resolvi doar sangue. Não o fazia há tempos, mas acredito tratar-se de um gesto que ao fim e ao cabo se mostra útil, pois alguém pode precisar para lutar por sua vida - aquele argumento que quase todos nós conhecemos. Porém, o que me leva a escrever é o caminho que tive que percorrer até a doação.


Minha cidade, São Leopoldo, tem cerca de 210 mil habitantes e um hospital municipal (Hospital Centenário - http://www.hospitalcentenario.com.br/). Não vou falar na presteza dos servidores para atender os precisados e os que os acompanham, que é tenebrosa, já senti na pele, e nem da qualidade de seus serviços médicos - apesar de já ter ouvido histórias horríveis a esse respeito. Atenho-me somente a um fato: não há banco de sangue no hospital. Mas engana-se quem pensa que nunca houve: havia, e inclusive já doei sangue lá (a última vez em 2005, acredito). Mas, tratando-se de atividade tão importante... por que acabar com ela?


Por trabalhar em outra cidade (Porto Alegre), poucas vezes tive chance de procurar o Centenário para doar sangue. Meu porte físico avantajado proporciona-me, imagino, considerável quantidade de sangue, fazendo que a doação de 500ml não me acarrete nenhum efeito colateral considerável, razão pela qual não havia, até então, feito uso da doação para cabular o trabalho. Hoje, para não retornar de férias numa sexta-feira, uni o útil ao agradável e busquei o Centenário. Lá, informaram-me que o banco de sangue era coisa do passado e que, se eu quisesse, que procurasse o Hospital Regina, na vizinha cidade de Novo Hamburgo. Para lá me dirigi.


Ao ser (muito bem) atendido, soube que o banco de sangue do Hospital Regina encaminha sangue para o Hospital Centenário, além de atender os outros dois hospitais de Novo Hamburgo e o da cidade vizinha de Campo Bom. Por insistência minha soube, também, que o motivo para o banco de sangue do Centenário não funcionar é, pasmem, a ausência de alvará.


Sim, vocês leram bem. Um hospital municipal com um banco de sangue sem alvará. Acredito que vocês não se surpreendem tanto porque, como eu, são brasileiros e estão acostumados com a nossa capacidade de criação de situações absurdas e inimagináveis. Por aqui, a vida supera, e muito, a arte. Contudo, uma temeridade não deixa de ser uma temeridade por temeridades serem corriqueiras. Até a própria atendente, que primeiro me deu essa infeliz informação (posteriormente confirmada) e grafou minha profissão de assessor jurídico como "acessor", bradou, balançando negativamente a cabeça: "como é que pode, né, sem alvará não dá!"


Não importa que o licenciamento burocrático não se limite a alvarás, não importa se a notícia é velha. Importa, isso sim, que um importante serviço não está sendo prestado, importa que o descaso com serviços públicos essenciais no nosso país, como a saúde, é uma vergonha. Por ora, só me resta torcer para que ninguém (inclusive eu) precise de uma tranfusão de sangue urgência em São Leopoldo, como em outras tantas cidades cujos hospitais não possuem estoque suficiente.


E, enquanto isso, seres onipotentes, do alto de nuvens coloridas, discutem tenazmente sobre a soberba contribuição do próprio som de suas vozes para a efetivação de direitos fundamentais no Brasil...


sexta-feira, 12 de junho de 2009

O curioso caso de Benjamin Button


Apenas há poucos dias assisti ao comentado filme "O curioso caso de Benjamin Button", que foi indicado ao Oscar passado. Trata-se da história de um homem que percorre o caminho oposto da vida: nasce idoso, e aos poucos vai ficando jovem. A ideia não é original: o filme é baseado num famoso conto escrito em 1920 por F. Scott Fitzgerald sobre um homem que nasce aos 80 anos e vai ficando mais jovem a cada dia que passa. O mérito da película é contá-la com maestria, demonstrando todas as vantagens e as desvantagens práticas que essa inversão implica: o choque do pai, que o abandona, a dificuldade de aceitação, convivência e aprendizado, o isolamento, os laços amorosos, a impossibilidade de se envelhecer ao lado de quem se ama e de criar filhos, a vida vivida em plenitude e a valorização de cada segundo dela. A atuação de Brad Pitt (foto) é excelente, a fotografia é impecável e a qualidade do elenco surpreende. E outro detalhe: o filme não perde o foco da personagem central, ou seja, a história é bem contada tanto quanto à situações inusitadas decorrentes dessa inversão biológica - cuja causa é posta à reflexão do espectador, não sendo, inteligentemente, explicada -, quanto à personalidade e ao caráter de Benjamin Button. Recomendo.

Durante o filme, lembrei-me de meu falecido avô, Luís de Oliveira, português de Trás-dos-Montes que imigrou para o Brasil com 4 anos de idade, e se orgulhava de ter sido a primeira pessoa a guiar um carro na cidade em que viveu e morreu, Sete Lagoas (MG). Não convivi muito com ele, mas em certa ocasião, com sua característica simplicidade, ele disse: "um filho não pode morrer antes que um pai. Isso não está certo". É que o filme começa contando, brevemente, a história de um joalheiro cujo filho morreu na 1ª Guerra Mundial. Só depois de ser pai é que descobri a plenitude da razão das palavras de meu avô.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Laicismo

Não raro me deparo com pessoas confundindo as dimensões do humano, mormente no que tange à religiosidade, umas tentando depreciar opiniões de pessoas que cultivam a espiritualidade por entender que não podem elas ser racionais o bastante e que tudo gira em torno de sua fé, outras estigmatizando aqueles que em nada crêem além de si mesmos como vazios de sentido e, por consequência, de credibilidade. Sempre pensei que a religiosidade é pessoal demais para ser levada a discussões públicas. Apesar de cristão, não gosto de ver crucifixos em prédios públicos e sessões de julgamento, e não vejo sentido na proteção de Deus invocada no preâmbulo da Constituição da República de 1988. É algo pessoal demais. Porém, trata-se de um assunto polêmico, e sempre gostei de polêmicas (discussões religiosas e políticas, futebolísticas são as minhas favoritas, no sentido contrário do dito popular que propaga que tais assuntos não se discutem).

Como muitos sabem e outros tantos ignoram, o Brasil é um Estado laico, ou seja, não propugna nenhuma fé, não há religião oficial. Porém, nossa história é católica demais e muitas pessoas têm dificuldades em deixá-la de lado ao tratar da coisa pública (vide crucifixos em plenários de tribunais e repartições públicas e Deus no preâmbulo da Constituição). A Igreja Católica quase sempre foi uma instituição desastrada politicamente, e a cada dia o desafio é deixá-la em seu lugar, ou seja, na própria paróquia, longe de discussões importantes como o uso de células-tronco para pesquisas, legalização do aborto, abertura do comércio em feriados etc. Aliás, essa é a única parte boa do cunho religioso estatal: os feriados religiosos.

Para terminar, encontrei o texto de um autor que deve estar começando, e resolvi dar uma força pra ele publicando suas palavras. Quem sabe um dia ele chega lá!


Laicismo

"Anda acesa a questão do laicismo, a meu ver em termos não muito claros, porquanto parece querer ignorar-se a questão fundamental que subjaz ao debate: crer ou não crer na existência de um deus que, não só terá criado o universo e portanto a espécie humana, como virá a ser, no fim dos tempos, o juiz dos nossos cometimentos na terra, premiando as boas acções com a admissão num paraíso em que os eleitos contemplarão a face do Senhor durante toda a eternidade, enquanto, também por toda a eternidade, os culpados de acções más arderão no inextinguível fogo do inferno. Esse juízo final não será fácil, nem para deus nem para os que vão ter de prestar contas, pois não se conhece um único caso de alguém que, em vida, tenha cometido exclusivamente boas acções ou más acções. O próprio do homem é a inconstância nos propósitos e nos actos, sempre a contradizerem-se de uma hora para a outra. No meio de tudo isto, o laicismo aparece-me mais como uma posição política determinada mas prudente que como a emanação de uma convicção profunda da não existência de deus e portanto da impertinência lógica das instituições e dos instrumentos que pretendem impor o contrário à consciência da gente. Discute-se o laicismo porque, no fundo, se teme discutir o ateísmo. O interessante do caso, porém, é que a Igreja Católica, na sua velha tradição de fazer o mal e a caramunha, anda por aí a queixar-se de ser vítima de um suposto laicismo “agressivo”, nova categoria que lhe permite insurgir-se contra o todo fingindo atacar apenas a parte. A duplicidade sempre foi inseparável das tácticas e das estratégias diplomáticas e doutrinais da cúria romana.

Seria de agradecer que a Igreja Católica Apostólica Romana deixasse de meter-se naquilo que não lhe diz respeito, isto é, a vida civil e a vida privada das pessoas. Não devemos, porém, surpreender-nos. À Igreja Católica importa pouco ou nada o destino das almas, o seu objectivo sempre foi controlar os corpos, e o laicismo é a primeira porta por onde começam a escapar-lhe esses corpos, e de caminho os espíritos, já que uns não vão sem os outros aonde quer que seja. A questão do laicismo não passa, portanto, de uma primeira escaramuça. A autêntica confrontação chegará quando finalmente se opuserem crença e descrença, indo esta à luta com o seu verdadeiro nome: ateísmo. O mais são jogos de palavras"

José Saramago (Prêmio Nobel de Literatura, para quem não captou a ironia anterior).

terça-feira, 9 de junho de 2009

Soneto da volta do tempo

Em meio aos ventos que se foram
Há sopros de suspiros que nunca irão
Lembrar dos olhos que não viram
E nem mais enxergarão

Passado o momento deixado
Torna-o a lembrança eterno refém
O gosto da esperança ora facultado
Morre, sem mais, em pleno desdém

Tinha a linha do tempo que existir?
A mim, nunca se me trouxe glória!
Por que então não se fez eterno o porvir?

Quisera eu sem arrependimento algum seguir!
Porém, não se pode tudo transformar em vitória
Nenhuma honra há num eterno sorrir

Marcus

domingo, 7 de junho de 2009

Duas breves colocações

"Todo mundo 'pensando' em deixar um planeta melhor para nossos filhos... Quando é que 'pensarão' em deixar filhos melhores para o nosso planeta?"

Desconheço o autor dessa frase, mas poucas me chamaram tanto à reflexão. Ainda não refleti o suficiente sobre ela para comentá-la devidamente, mas adianto que, pelo que estou aprendendo e apreendendo das coisas, situações e ideias que se me apresentam, as futuras gerações serão melhores do que nós estamos sendo para o nosso planeta. Mais, fica para o futuro.


Uma importante empresa de jornalismo do Rio Grande do Sul, a RBS, iniciou há poucos dias uma intensa campanha contra o crack.

Figuras públicas, os maiores times de futebol (Internacional e o meu Grêmio) e pessoas conhecidas dos gaúchos literalmente "vestiram a camisa" da campanha. Considero tal iniciativa importante, visto que os efeitos nefastos e mortais da droga não eram de todo conhecidos da população em geral. Após uma recente tragédia no âmbito de abastada família de Porto Alegre, que culminou no assassinato do filho viciado pela própria mãe, as atenções dadas aos usuários que estão tendo suas vidas destruídas por essa droga que pode viciar no primeiro ato de consumo e que deteriora a saúde física e mental de seus usuários de forma fulminante foram maximizadas.

Nada contra a campanha. Contudo, fica a minha indagação: e os esclarecimentos sobre os efeitos maléficos de outras drogas até mais comuns, como a maconha e a cocaína, onde ficam? Será que esse veículo de comunicação teria coragem de também se posicionar contra o uso da maconha - já tido como fato comum e aceitável por alguns de seus comunicadores, publicamente, como Wianey Carlet, inclusive?

Os problemas principais do tráfico de entorpecentes, quais sejam, os diversos crimes que inexoravelmente fomenta e a destruição da saúde dos usuários, não são exclusivos do crack ou das drogas pesadas. Afetam, e muito, também aqueles que "simplesmente" fumam um ou outro cigarro de maconha, pessoas que são, sim, co-responsáveis por alavancarem o prolixo sistema de deterioração social ligado à atividade tóxico-mercantil.

Sei que, a juízo de muitos, essa ideia é retrógada e ultrapassada. Discordo, e marcho em sentido contrário a qualquer ideia que defenda a tolerância ao uso e comércio de substâncias entorpecentes. Para não entrar em um extenso campo de discussão, limito-me a afirmar que não conheço uma pessoa honrada e digna de minha admiração que fume maconha ou use outras drogas. Pelo contrário, quanto a usuários de drogas, só vejo exemplos (muitos, aliás) de indivíduos de moral duvidosa e hábitos sociais egoístas, pessoas que não constroem nada de produtivo para ninguém e só estão preocupadas com a satisfação de seus desejos imediatos. Pessoas que, em síntese, pouco se importam com o destino da sociedade da qual fazem parte e do planeta que habitam.

Quem usa drogas, a exemplo da opinião do deputado federal Sérgio Moraes, "se lixa" para toda a sociedade, seja para sua própria família, seja para aqueles que caminham em direção a caminhos obscuros ao participar da produção e fornecimento da substância utilizada, seja para si mesmo. Lamentavelmente, é o que enxergo como sendo verdadeiro.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Os presos do Brasil


Aqui no Rio Grande do Sul, atualmente os meios de comunicação têm dado grande ênfase à crise do sistema carcerário (ao lado, foto do pavilhão C, 3ª galeria do Presídio Central de Porto Alegre). Há, em suma, um beco sem saída. De um lado, o Estado, financeiramente "quebrado", há muito não tem tido a construção e manutenção de presídios e necessário aumento do efetivo dos servidores do corpo carcerário como uma de suas prioridades, o que ocasionou uma aglomeração sub-humana nos presídios, verdadeiro depósito de pessoas que, em regra, não lograram viver em sociedade sem infringir a lei penal, bem como uma situação tenebrosa de trabalho para agentes penitenciários, assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais que atuam no âmbito da execução de penas privativas de liberdade. De outro, há juízes e desembargadores preocupados com as condições desumanas vivenciadas pelos detentos, uma vez que a prática da execução das sanções infringe diversos princípios constitucionais, em especial o maior deles, o da dignidade da pessoa humana, que tentam resolver a questão dentro da razoabilidade que entendem possível, seja soltando réus condenados até que haja vagas, seja deferindo prisões sem a expedição de mandados à força policial, seja decidindo não prender aqueles que não tenham cometido crimes de exacerbada violência, seja interditando presídios e pressionando o Executivo, seja permitindo que réus que cumprem pena nos regimes semiaberto e aberto permaneçam no ficto regime da prisão domiciliar até que haja vagas em alguma prisão compatível. Por fim, há também o lado mais frágil da questão, o dos próprios presos. Como o debate tem se aprofundado entre os dois primeiros lados e suas mui potentes vozes, falarei desse lado considerado mais culpado, que não tem tido vez nos debates levantados até então.

Antes, para me fazer compreender, esclareço:

- sou absolutamente contra a pena de morte;
- entendo que quem comete ato definido como infração penal (seja crime ou contravenção) merece ser punido, para seu próprio bem e para o bem da sociedade;
- sei que a falta de perspectivas, recursos e amparo facilita o ingresso de pessoas na carreira criminosa, mas estou convicto de que, em suma, a pobreza não explica o crime em si e que há muito mais do livre-arbítrio de cada um numa ação delituosa do que qualquer outro fator (com a exceção dos inimputáveis, obviamente);
- estou certo de que o problema não tem solução a curto nem a médio prazo, demandando uma mudança de mentalidade geral, seja do Executivo, que tem que construir mais presídios, seja do Judiciário no que tange à necessidade da punição efetiva, antes da recuperação, respeitada a dignidade de cada detento, seja do Legislativo, que muitas vezes se omite quando deveria cobrar soluções do Executivo para o problema, seja da população em geral, que dá de ombros para aqueles taxados de criminosos e se arrepia quando ouve falar que um presídio pode ser construído nas redondezas.

Dito isso, eis a questão que me irresigna: as autoridades falam, a imprensa fala, mas os presos não: ninguém os ouve ou se interessa em ouvi-los.

Em princípio, admito, parece uma incoerência. Afinal, o que teria a dizer um transgressor das regras sociais, mesmo sobre suas condições na prisão? Pode um homicida, um estuprador, um estelionatário, um traficante, um surrupiador do patrimônio alheio, pode algum deles ter voz em qualquer discussão relevante? Eu mesmo respondo: cada um deles pode e deve.

Em primeiro lugar, entendo que o paradigma de que existe uma divisão clara entre criminosos e cidadãos de bem deve ser desfeita. Não que essa diferença não exista; porém, trata-se de uma linha tênue, se for bem observada. Tendo em vista que criminoso é aquele que comete um delito (ou crime, conduta punida com reclusão ou detenção, ou ainda o anômalo crime de posse de entorpecentes, que não prevê pena privativa de liberdade alguma em nossa atual legislação), se não levarmos em conta apenas aqueles condenados pelo Estado, seria difícil achar quem nunca tivesse cometido um crime. Pense bem: você conhece alguém que nunca tenha ou dirigido embriagado - com alto teor alcóolico ou causando risco com sua manobras -, ou difamado/caluniado/injuriado terceiros, ou usado substâncias ilícitas, ou lesionado outrem, ou comprado produtos de origem ilícita sabendo da sua natureza, ou feito cópias ilícitas de músicas, livros ou vídeos, ou achado coisa alheia e não devolvido, ou se apropriado de outra forma ilícita de algo que não era seu, ou portado arma de fogo ilegalmente, ou pescado ilegalmente, ou ... os exemplos são inúmeros. Talvez monges isolados da vida social ou religiosos reclusos tenham suas "fichas" limpas. Mas eu não ponho a mão no fogo por ninguém.

Ora, é sabido que o Estado não consegue investigar e punir todas as condutas criminosas. Veja-se o exemplo de nossos dirigentes políticos, muitos e muitos com alguma "bronca" na justiça, que efetivamente não são punidos, embora não raro sejam investigados e processados. É simplesmente impossível a punição de todos os crimes, mas nem por isso eles deixam de ser sistematicamente praticados, muito embora não nos demos conta dessa realidade. Alguns são punidos, tão somente alguns. Presumo, pelo número de presos no Brasil (cerca de 400.000, não todos com sentença condenatória, gize-se), que até 1% da população já tenha recebido sanção penal, considerando também nessa estimativa que já cumpriram pena. Lado outro, presumo que semelhante percentual nunca tenha cometido um crime sequer.

Não ignoro o princípio da não-culpabilidade (presunção de inocência) e muitos outros aspectos, dentre os quais a inexatidão científica do que estou dizendo, excludentes penais, etc. Porém, entendo que, no fundo, há essa questão sobre a qual deveríamos pensar mais: será que somos tão diferentes daqueles que estão presos, será que aqueles que povoam o cárcere não são também humanos como nós, só que talvez tenham cometidos mais crimes, a ponto de por alguns deles terem sido condenados?

Eis, enfim, a questão: por que os presos (eles mesmos, não seus advogados) não são ouvidos a respeito de sua própria situação de vida? Nem se precisaria ir aos presídios: há muitos deles cumprindo pena nos regimes aberto e semiaberto que trabalham e poderiam dar testemunho à imprensa de sua condição. Por que a parte que é a mais afetada da questão fica de fora de qualquer discussão ou debate? Sinceramente, gostaria que nas reportagens que são feitas sobre as condições das prisões não se ouçam apenas juízes, promotores e policiais, mas também presidiários, a respeito das condições de vida que lá encontram. Gostaria de ver mesas de debate formadas com esses profissionais, mas também com ex-detentos, por exemplo, que dessem testemunho do que já vivenciaram atrás dos muros da prisão. Entendo que não se trata de anjinhos, mas não vejo nenhum empecilho para que a voz deles também seja ouvida.

Preso não tem peso político: não vota quando condenado com decisão transitada em julgado (não passível de recurso), visto ter seus direitos políticos suspensos. Mas nem por isso deixa de ser cidadão, no sentido subjetivo do termo. Além disso, há muitos deles no cárcere sem condenação, presos provisórios, que amanhã ou depois podem retornar ao convívio social. Ignorá-los todos é ignorar uma parte de nós mesmos, é achar que podemos tomar racionalmente a complexidade da questão como observadores e críticos que somos, desprezando a experiência (nefasta) daqueles que se espremem entre outros corpos, em locais onde jamais deixaríamos sequer nossos bichos de estimação.

Resumindo, gostaria de ver a imprensa entrevistando os Joãos e Josés dos Anzóis que, embora em regra culpados, aguardam, no silêncio daqueles que bradam mas não são ouvidos, a volta à liberdade sem dignidade e com a esperança (se é que há) de um futuro melhor se esvaziando a cada instante.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A amizade e o fim da amizade

Começo dizendo o óbvio (até porque o óbvio, mesmo que ululante, deve ser dito diversas vezes): estive um tempo afastado, mas este blog não morreu. Confesso que fiquei feliz pelo fato de mais de uma pessoa ter me questionado acerca da ausência de postagens. Afinal, mesmo que o destinatário final dessas palavras seja eu mesmo, ou em último caso o leitor-gasparzinho, é bom saber que alguém as lê, apesar de não as comentar. Em qualquer caso, te cuida, Reinaldo Azevedo!

Hoje, dois episódios me levam a falar de amizade. O primeiro ocorreu quando, indo sacar dinheiro, encontrei um amigo distante, que há muito não via. Sujeito mais ou menos, mas com quem já tomei diversas cervejas e que sempre me tratou muito bem. Ele chegou ao lado do meu carro, onde estavam, intrépidos na luta contra o frio, a Juliana e o Felipe. Não os viu, e falou comigo apenas coisas daquelas que se falam no reencontro de amigos já distantes: boa surpresa te ver, temos que nos falar, como estão as coisas, vamos nos ligar, mesmo (percebi que ele nem sabia que meu filho nasceu há mais de quatro meses). O segundo ocorreu quando, já no firme andar da madrugada, deparei-me com um e-mail de outro amigo, este bem mais do que menos, com quem já tomei considerável parte da produção das cervejarias nacionais, mas com quem tenho inúmeras divergências, questionando, de modo geral, por que as coisas mudam entre os amigos. Daí o título dessas colocações.

Acontece que, por mais desesperançoso que pareça, a amizade dura no convívio e se perde na distância. Amigos, salvo raras (e lindas) exceções, são amigos quando juntos, passando ao processo de retorno à estranheza quando da cessação do convívio. É duro e parece plenamente negável por exemplos próprios, mas é assim que as coisas acontecem, inexoravelmente. Explico.

A amizade entre as pessoas, ao contrário do amor carnal, é leve, isenta de ciúmes, convive bem com outros amores semelhantes e penetra profundamente no coração daqueles que a possuem, geralmente sem dor - sensação esta que não raro acompanha os amantes. Surge das mais diversas formas e não possui um ideal para se amoldar, ao contrário do amor carnal, que sempre compara e espera. A amizade é um amor que flui, e que com a convivência é fomentado e traz tesouros preciosos àqueles que o cultivam.

E é justamente porque a amizade é mais leve que se esvai mais facilmente, mesmo contrariamente à vontade dos amigos, pelo distanciamento. A amizade nasce e cresce no âmbito de convivência mútua (escola, trabalho, cidade, rua, clubes, igrejas, paradas de ônibus etc). Como hoje em dia os destinos são traçados com amplitude individual muito maior que outrora, é quase impossível que amigos cresçam e convivam intensamente durante o resto de suas vidas juntos. Muda-se de trabalho? Mudam os amigos com quem se convive. Muda-se de cidade? Mudam-se os amigos, idem. A amizade, em sua práxis, é condicionada à intensidade da convivência. A vida como ela é.

Contudo, o amor-amigo não morre. É ele que faz com que amigos distantes se encontrem e sintam-se eufóricos, sentindo-se plenos como se tivessem se visto há poucas horas. Desconheço coração em que não caiba mais uma bela amizade, sem que isso implique o uso do espaço de outra. Mas o tempo, esse não dividimos igualmente entre os amigos, porque passa por nossas mãos sem o percebemos e nos é impossível deter seu curso. Eis, então, o paradoxo: a amizade (convivência) vai, enquanto o sentimento dos amigos (amor) fica.

Essa constante mutação de amigos, que não me agrada muito, friso, é uma realidade. Respeitando opiniões contrárias, só não enxerga quem não quer. Isso tudo pode ser bom, ou não, de acordo com o olhar de cada um. Toda a gama de instrumentos de comunicação torna viável o conhecimento raso de um sem número de outros passageiros da nave Gaia. Essas possibilidades permitem o contato e a troca de experiências entre diferentíssimos, o que é interessante, sem dúvidas. Entrementes, muitas vezes faz com que acabemos por não conhecer ninguém tão bem quanto aqueles amigos vizinhos que, morando próximos, estudaram na mesma escola, jogaram futebol juntos durante toda a vida e possuíam interesses semelhantes.

Enfim, nada mudou, só o tempo passou e a vida seguiu, o que não impede novos e ótimos futuros momentos de amor fraternal, que não devem ser muitos, mas como Vinícius, serão eternos enquanto durarem.

Bem disse aquele que lembrou que os amigos são a família que nós mesmos escolhemos.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Pequenas considerações

O público e o privado

Em meio a notícias cotidianas sobre os abusos que autoridades cometem quando investidas em cargos públicos, especialmente os que envolvem ganhos financeiros ilegais, a descrença na honestidade daqueles que se enveredam na carreira pública, seja como agentes políticos, seja como servidores públicos, aumenta consideravelmente, chegando à beira da certeza de que, se nessa esfera homens íntegros há, são tão raros que suas ideias acabam sepultadas pela busca impávida de vantagens pessoais da maioria.

Não defendo juízo contrário, e depois do escândalo das passagens no Congresso Nacional, penso que o fio de esperança que se podia ter na proba gestão da coisa pública pelos políticos atuais foi rompido. Por outro lado, entendo que não basta somente o voto para modificar essa realidade, e tampouco fará relevante diferença mudanças pontuais nas regras eleitorais. A meu ver, há que se ir além.

Como consabido, os problemas vêm de longe. A conturbada história brasileira caracteriza-se em demasia pelo voluntarismo político. Os governantes da Nação são lembrados muito mais por suas particularidades do que pelos projetos de governo que implementaram. O Brasil sempre dependeu mais de homens do que de ideias. E homens, quando chegam ao poder e não possuem regras costumeiras e modelos políticos sólidos a seguir, confundem-se com as prerrogativas do cargo que ocupam, esquecendo-se que estão no exercício de uma função pública, e não sendo servidos por ela.

É imprescindível que se eduque as gerações futuras para que compreendam, desde cedo, as diferenças e nuanças que caracterizam a esfera pública e a privada. Hoje, formam-se universitários aos borbotões sem essa noção. Esse quadro tende a agravar-se consideravelmente, dada a facilidade de comunicação atual, que, paradoxalmente, apesar de encurtar distâncias, faz com que o homem se feche mais em si mesmo, como se uma mônada fosse, e despreze o que não se lhe apresente prontamente aos olhos: a coisa pública, por exemplo. Faz-se necessária uma (árdua) mudança de mentalidade e o repasse de ideais comunitários e éticos, seja no lar, na escola e em outros âmbitos da sociedade civil. Apenas assim poderá haver uma compreensão mínima de que não se pode de forma alguma estender certas prerrogativas da vida pública para a vida privada, bem como que aqueles que, de uma forma ou de outra, representam o povo, possuem a inquestionável obrigação de velar pelos interesses da coletividade muito antes dos seus, e de saber que o cargo que ocupam é maior do que eles mesmos.

sábado, 9 de maio de 2009

Rapidinhas

Aquecimento global






Muito bem bolado esse vídeo, não? Não é exagerada a comparação: o habitat de milhares (sim, milhares) de espécies já foi destruído. E o aquecimento global é um problema tão constante que dele nos esquecemos (assim como os escândalos políticos brasileiros, embora estes não sejam tão grave quanto o derretimento das calotas polares). Enchentes no nordeste (Maranhão, Piauí) e seca extrema aqui no Rio Grande do Sul. Algo estranho, não? As mudanças climáticas, dentre as quais se enquadra o aumento na temperatura do planeta, estão só começando. A natureza reage ao homem, ser passageiro na Terra, que em pouco tempo, considerada a história do planeta, fez estragos demais. Mas não temamos pelo planeta: ele já passou por períodos de modificações extremas até chegar aos dias de hoje. E continua se modificando. O homem é que, se continuar no ritmo frenético do chamado desenvolvimento, acabará destruindo a si mesmo. Alguém duvida? Sem maiores delongas: não precisamos de tanto. Viver em harmonia com a natureza pode não ser tão prático, mas é mais prazeroso. Pena que as novas gerações não estejam nem experimentando tal interação.



Gilmar Mendes e a imagem da Justiça brasileira



Para alguns, Gilmar Mendes é o maior constitucionalista brasileiro. Para outros, um Ministro do Supremo Tribunal Federal que aparece mais do que deve e protege os podero$o$ em seus julgamentos, além de ser político demais e possuir um passado nebuloso. Trata-se de impressões corriqueiras a quem acompanha as notícias de âmbito nacional e, principalmente, as do âmbito jurídico. Tudo veio à tona na recente discussão entre ele e o Ministro Joaquim Barbosa, que afirmou que Mendes estaria destruindo a imagem do Poder Judiciário. Quem não assistiu, não pode deixar de fazê-lo:
http://www.youtube.com/watch?v=sIUdUsPM2WA



Para mim, assim como para muitos, Barbosa mostrou que ainda há juízes no Brasil. Mendes, embora não possa ser acusado, fundamentadamente, de parcial, deixa dúvidas sobre seu modo de agir. E, como disse Cícero, "não basta à mulher de César ser honesta: ela tem que parecer honesta". Não é o caso de Mendes, como demonstra o e-mail que recebi ontem, sobre 25 perguntas a serem respondidas por Mendes. Segue abaixo:



"25 Perguntas a Gilmar Mendes (Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil)
1.O sr. sabe algo sobre o "assassinato" de Andréa Paula Pedroso Wonsoski, jornalista que denunciou o seu irmão, Chico Mendes, por compra de votos em Diamantino, no Mato Grosso?
2.Qual a natureza da sua participação na campanha eleitoral de Chico Mendes em 2000, quando o sr. era advogado-geral da União?
3.Qual a natureza da sua participação na campanha eleitoral de Chico Mendes em 2004, quando o sr. já era ministro do Supremo Tribunal Federal?
4.Quantas vezes o sr. acompanhou ministros de Fernando Henrique Cardoso a Diamantino, para inauguração de obras?
5.O sr. tem relações com o Grupo Bertin, condenado em novembro de 2007 por formação de cartel? Qual a natureza dessa relação?
6.Quantos contratos sem licitação recebeu o Instituto Brasiliense de Direito Público, do qual o sr. é acionista, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso?
7.O sr. considera ética a sanção, em primeiro de abril de 2002, de lei que autorizava a prefeitura de Diamantino a reverter o dinheiro pago em tributos pela Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Diamantino, da qual o sr. é um dos donos, em descontos para os alunos?
8.O sr. tem alguma idéia do porquê das mais de 30 ações impetradas contra o seu irmão, ao longo dos anos, jamais terem chegado sequer à primeira instância?
9.O sr. tem algo a dizer acerca da afirmação de Daniel Dantas, de que só o preocupavam as primeiras instâncias da justiça, já que no STF ele teria"facilidades" ?
10.O segundo habeas corpus que o sr. concedeu a Daniel Dantas foi posterior à apresentação de um vídeo que documentava uma tentativa de suborno a um policial federal. O sr. não considera uma ação continuada de flagrante de suborno uma obstrução de justiça que requer prisão preventiva?
11.Sendo negativa a resposta, para que serve o artigo 312 do Código de Processo Penal segundo a opinião do sr.?
12.Por que o sr. se empenhou no afastamento do Dr. Paulo Lacerda da ABIN?
13.Por que o sr. acusou a ABIN de grampeá-lo e até hoje não apresentou uma única prova? A presunção de inocência só vale em certos casos?
14.Qual a resposta do senhor à objeção de que o seu tratamento do caso Dantas contraria claramente a *súmula 691* http://www.dji/. com.br/normas_ inferiores/ regimento_ interno_e_ sumula_stf/stf_ 0691a0720. htmdo próprio STF?
15.O sr. conhece alguma democracia no mundo em que a Suprema Corte legisle sobre o uso de algemas?
16.O sr. conhece alguma Suprema Corte do planeta que haja concedido à mesma pessoa dois habeas corpus em menos de 48 horas?
17.Por que o sr. disse que o deputado Raul Jungmann foi acusado "escandalosamente" antes de que qualquer documentação fosse apresentada?
18.O sr. afirmou que iria chamar Lula "às falas". O sr. acredita que essa é uma forma adequada de se dirigir ao Presidente da República? O sr. conhece alguma democracia onde o Presidente da Suprema Corte chame o Presidente da República "às falas"?
19.O sr. tem alguma idéia de por que a Desembargadora Suzana Camargo, depois de fazer uma acusação gravíssima– e sem provas – ao Juiz Fausto de Sanctis, pediu que a "esquecessem" ?
20.É verdade que o sr., quando era Advogado-Geral da União, depois de derrotado no Judiciário na questão da demarcação das terras indígenas, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem as decisões judiciais?
21.Quais são as suas relações com o site Consultor Jurídico? O sr. tem ciência das relações entre a empresa de consultoria Dublê, de propriedade de Márcio Chaer, com a BrT?
22.É correta a informação publicada pela Revista Época no dia22/04/2002, na página 40, de que a chefia da então Advocacia Geral da União, ou seja, o senhor, pagou R$ 32.400,00 ao Instituto Brasiliense de Direito Público - do qual o sr. mesmo é um dos proprietários - para que seus subordinados lá fizessem cursos? O sr. considera isso ético?
23.O sr. mantém a afirmação de que o sistema judiciário brasileiro é um "manicômio"?
24.Por que o senhor se opôs à investigação das contas de Paulo Maluf no exterior?
25.Já apareceu alguma prova do grampo que o sr. e o Senador Demóstenes denunciaram? Não há nenhum áudio, nada?"



Gostaria de ver muito essas respostas...



Felipe



Ser pai é uma experiência fascinante. Quando a gente está se acostumando com o jeitinho do pimpolho, ele cresce, fica diferente, surpreende com novas atitudes e com o jeitinho cada vez mais inconfundível. Cada dia de um bebê é distinto do dia anterior. Quanto a mim, isso desafia minha rotina e minhas concepções, meu modo de agir e pensar. Sem perceber, pareço estar me tornando uma pessoa melhor. Estar com o Felipe me basta para trazer felicidade como nada até então. Amor indescritível.


terça-feira, 5 de maio de 2009

A "mulher chorona' e os políticos brasileiros

Aconteceu no verão de 2006. Na época, eu trabalhava na Justiça Eleitoral, mais especificamente no Cartório Eleitoral de Taquari. Aqui no RS, esse órgão e muitos outros adotam um expediente "relax" no verão: a carga horária é diminuída, e sexta-feira as atividades começam e se encerram mais cedo, com o intuito de que pessoal possa viajar mais cedo para a praia. (Sério, é verdade!) Acontece que eu não morava em Taquari: ia e voltava todo o dia de São Leopoldo, distante cerca de 100km, porque ainda estava cursando a faculdade de direito em Porto Alegre. Como na quinta o expediente se encerrava às 18h e, na sexta, começava já às 8h, eu sempre dormia naquela agradável cidade de colonização açoriana, terra do ex-presidente Costa e Silva (um dos 5 da ditadura, lembram? Governou entre 1967 a 1969, iniciou a fase mais dura e despótica dessa fase negra da história brasileira com o AI5 - o que não me deixaria orgulhoso, mas em sua terra natal há até museu em homenagem a ele), da laranja (apesar de só haver uma rua com pés de laranjas) e do mel (que só achei na casa de um velho português radicado por lá). Foi numa dessas ocasiões que conheci o "seu" Antônio.



Eram 4 horas da madrugada de uma sexta-feira. Eu voltada de uma festa na cidade de Lajeado, nas proximidades, junto com um amigo, ex-colega do INSS local, onde eu já tinha trabalhado. Havia uma neblina densa na estrada, que impedia qualquer tentativa racional de andar a mais de 60km/h. Conversávamos para evitar o sono, comentando nossas impressões da noite quando, chegando no trevo de entrada da cidade, visualizamos um objeto à primeira vista não identificado. Esfregando os olhos, não tivemos dúvidas: havia um carro tombado à beira da estrada, literalmente virado de cabeça para baixo. Estava caído num barranco. Paramos no acostamento, já bem acordados. Com cuidado, nos aproximamos, caminhando em meio ao barro do local. Gelamos de apreensão.

Era um Uno Mille. Como já havia sido proprietário de 2 desses veículos tempos antes, sabia que não se davam muito bem com curvas mais acentuadas. Imaginei o trajeto do motorista por um instante, mas um grito me chamou a atenção:

- O pessoal! O pessoal aí atrás, meu Deus do céu! - bradava a relutante voz vinda do banco do motorista.

Suspirei de alívio. Não havia ninguém morto. (Não é nada agradável ver uma pessoa recém morta. Já passei por isso, e não guardo boas recordações). Tratamos de tentar acalmar o acidentado - homem baixinho, aparentando uns 50 anos de idade -, mas ele não se aquietava. Falei para ele ficar calmo, que estávamos ligando para a Polícia Rodoviária e o socorro já ia chegar. Mas não adiantou: ele gritava cada vez mais pelo "pessoal de trás", e começou a tentar sair do veículo virado. Não concordamos, mas não dava para evitar: com bastante dificuldade, ele conseguiu pular para o banco de trás e sair pelo porta-malas, que não estava chaveado e pode ser aberto por nós. Sabia que não se deve mexer em pessoas acidentadas, que o risco de lesão é muito grande. Porém, não adiantou argumentar: o homem era teimoso e parecia estar noutra dimensão.

Em meio a tudo isso, procurávamos por outras pessoas perdidas pela volta. No carro, não havia ninguém. Os vidros estavam fechados e não havia indícios quaisquer de que alguém pudesse ter se perdido na queda. Mas o acidentado afirmava insistentemente que os outros estavam ali atrás. Ele conseguiu sair do veículo. Erguemos seu corpo e colocamos ele sentado. Estava ensopado de sangue, e precisava de apoio para não desmoronar no chão. Do pouco que sabia e sei sobre primeiros socorros, entendi que precisava mantê-lo lúcido. Enquanto aguardávamos longos 40 minutos até os policiais chegarem - liguei de pronto para eles quando saí do meu carro; disseram que logo chegariam junto com uma ambulância ao local -, o nosso então paciente disse que se chamava Antônio e que era da pequena cidade de Tabaí - município vizinho de Taquari e que é conhecido pelo trecho da BR 386 que encerra: a rodovia Tabaí-Canoas. Fora isso, só arrancamos dele que ele havia "tomado todas" (nem era preciso dizer: seu odor de cachaça "da braba" não deixava dúvidas disso).

Os policiais chegaram, questionaram se eu e meu colega tínhamos causado o acidente e, com uma calma (leia-se preguiça) descomunal, começaram a olhar o veículo e seu entorno, aparentando grande conhecimento sobre o procedimento, e a realizar algumas ligações. Mal olharam para o pobre Antônio. Questionei-lhes sobre o socorro e, ao saber que eles antes removeriam o carro do local - o que daria um bom trabalho - para, só então, levar o capotado ao hospital, fiquei furioso, dizendo que iria levá-lo. O policial não gostou do meu tom, mas antes dele me refutar, para não perder tempo e não estender a angústia sobre a saúde do cidadão, identifiquei-me como chefe do cartório eleitoral da cidade - eu realmente o era -, esclarecendo que trabalhava com a juíza local. Foi o que bastou para ele mudar o semblante do rosto e me elogiar, dizendo que se tratava de uma atitude nobre da minha parte. Patifes. Partimos, então.

Foram longos 12km na estrada Aleixo Rocha, que liga a RS 287 à cidade de Taquari. A neblina era muito intensa, e como a estrada não tinha sinalização alguma, tive que guiar a menos de 40km/h. O esforço maior, porém, foi manter o "seu" Antônio acordado. Ele foi no banco da frente, enquanto meu amigo estava atrás, segurando-o. Conseguimos conversar um pouco. Ele informou que trabalhava numa madeireira da cidade de Tabaí e que tinha ido numa festa na zona do meretrício. Estava na gandaia, o safado! Insistiu que tinha gente atrás dele e balbuciou algo sobre suas filhas. Foi difícil mantê-lo acordado. Sacodíamos ele, falávamos alto, mas o sono do "" parecia ser mais forte. Foi então que aconteceu.

Sinceramente: considerando o contexto sério de toda situação, por essa eu não esperava - e olha que eu costumo brincar de futurologia e não me surpreender com qualquer coisa. "Seu" Antônio foi se inclinando para a frente, pouco a pouco. Antes que pudéssemos tentar alertá-lo, ergueu-se de supetão, cantalorando a plenos pulmões: "Eta mulher chorona!... chora feito...". E seguiu tentando seguir no ritmo, em meio a nossas inevitáveis gargalhadas.

Para quem não conhece, está aí a canção, um clássico do gênero:

http://www.youtube.com/watch?v=kNsoiyszBis

Chegamos no hospital depois de outras quatro tentativas do "seu" Antônio de continuar no ritmo da festança. Só lá fomos saber que ele era o Presidente da Câmara Municipal de Tabaí. Uma autoridade, o homem! Deixei meu número de celular e, já com o sol a pino, fui para o hotel dormir. O relógio marcava 6h30min da manhã. O descanso deveria ser breve.

Meu sono, porém, não durou muito. O pessoal do hospital conseguiu informar os parentes do talentoso intérprete da "mulher chorona" sobre o ocorrido e um deles me ligou. Eram 7h15min, e mal pude acreditar quando ele, que realmente não lembro quem é, de pronto me pediu sigilo absoluto a respeito do episódio, enfatizando a importância da figura do vereador Antônio para a comunidade. Despertei do meu meio-sono imaginando qual impropério dizer pro sujeito. Limitei-me a retrucar:

- De jeito nenhum! A sorte dele é que não vivo aqui, e tenho poucos conhecidos. Se dependesse de mim, não ia haver uma pessoa sequer na região que não soubesse desse acidente!

Não me ligaram mais. Confesso que sei ser até intimidativo, nas raras vezes em que alguém consegue me irritar. Contei o que aconteceu para absolutamente todas as pessoas que eu conhecia na cidade, inclusive a respeito do "pedido" de segredo. Ri sozinho ao comprar o jornal da região e ver uma foto do respeitável Presidente da Câmara tabaiense numa inauguração de obras na cidade vizinha. Brasil, Brasil, Brasil.

Apesar da parte cômica dessa história, interessa-me refletir rapidamente sobre a atitude do Antônio e a solução dada para "abafar" o acontecido. É que apesar dele ser apenas um vereador de um município minúsculo (tem menos de 5.000 habitantes) do interior do Rio Grande do Sul, seu modo de agir e de resolver a questão assemelha-se ao que grande (enorme!) parte dos políticos brasileiros faz. Lembram do Renan Calheiros e a pensão que empreiteiros pagavam ao seu filho de um relacionamento extraconjugal? E o castelo do deputado federal Edmar Moreira, excluído do seu imposto de renda? E as passagens aéreas, que quase todos os parlamentares do Congresso Nacional gastavam para fins exclusivamente particulares, uso do qual foram acusando-se aos poucos, só quando não dava mais para negar? Fico nesses exemplos. Você conhece outros tantos, tenho certeza.

O que acontece é que o político brasileiro, em geral, não está nem aí para sua imagem. Que o diga o deputado federal gaúcho Sérgio Moraes, que ontem mesmo disse estar se lixando para a opinião pública, pois se reelegia de qualquer jeito (deixando subentendido: apesar de suas falcatruas conhecidas por todo o Brasil, expostas em reportagem da Revista Veja no ano passado, ele volta). O homem público tupiniquim até dá uma disfarçada, mas a verdade acaba aparecendo. O problema é o que nós fazemos com ela depois...

Discordo que nossos políticos sejam a imagem do povo brasileiro. Muitos dizem isso. Eu não acho que o povo brasileiro seja como Hidelbrando Pascoal, Jáder Barbalho, Fernando Collor, Paulo Maluf e tantos outros. Porque esses, embora moralmente estejam abaixo da linha do começo de qualquer escala, são pró-ativos, se mexem, procurando seu espaço, fazem o possível para garantir uma boquinha. Agem, embora para o mal. O povo brasileiro é pior, porque embora esteja, via de regra, do lado do bem (comum), reelege e consagra tipos assim. Pior porque raramente se insurge e, ao ver alguma manifestação de professores, policiais ou qualquer outra categoria, reclama que vai chegar mais tarde em casa e perder o começo da novela, sem nem cogitar refletir acerca do que está se passando ali. O povo brasileiro quer comodidade, vende seu voto barato e, dias depois da eleição - aquele domingo chato, dizem, em que se deve perder tempo indo votar -, já esqueceu do comprador. Acredita em palavras vazias, em promessas impossíveis e se deixa levar pelas músicas de campanha e outros recursos publicitários que agradam aos olhos. Ou dá de ombros, dizendo que todos são iguais.

Não, não estou exagerando. É assim mesmo: reelegemos gente pior do que nós. Claro que há pessoas honradas lá, e claro que há pessoas piores aqui, na sociedade. Mas, em regra, é assim: não nos importamos em pesquisar histórico pessoal, profissional e de perquirir a capacidade de quem elegemos. Contentamo-nos com um minuto de dúvida e com a escolha mais fácil e rápida, ou nos deixamos levar por terceiros, que nos convencem com alguma simpatia e meia dúzia de sorrisos. Contratamos aqueles que nos governam, que decidem o percentual de imposto que pagamos, as leis que devemos seguir e as punições que nos são dadas por infringi-las; pensamos levianamente que não faz diferença, sem cogitar que, dependendo do posicionamento tomado por partidos e políticos, seja em nível municipal, estadual ou federal, pagaremos mais ou menos pelo pão na padaria, teremos mais ou menos imposto de renda retido na fonte, enfrentaremos mais ou menos pedágios, conseguiremos empréstimos e ganhos de investimento com mais ou menos juros, poderemos andar na rua com mais ou menos tranquilidade, teremos, ou não, esgoto tratado e energia elétrica. Enfim, deixamos de lado a importância de escolher, na figura do candidato e na sigla do partido, os rumos que queremos para o dia de amanhã e para o futuro daqueles que nos são caros.

Sim, somos nós, eu e você, que permitimos que pessoas irresponsáveis e que não honram, dia a dia, na vida pública e na privada, o cargo que ocupam, estejam lá. Eu e você deixamos o "seu" Antônio, motorista irresponsável e político de moral duvidosa, decidir o rumo que nossas vidas tomarão. Os cargos eletivos no Brasil são comparáveis com o estabelecimento de onde o "seu" Antônio se encontrava antes de tombar seu Uno Mille: o interesse financeiro rege as relações, o mundo externo é deixado de lado e afastado tanto quanto possível e, dentro deles, a festa é completa, e a trilha sonora segue nessa sonoridade: "Eta mulher chorona... chora feito uma safona...". Pobres e malditos de nós.