quarta-feira, 3 de junho de 2009

A amizade e o fim da amizade

Começo dizendo o óbvio (até porque o óbvio, mesmo que ululante, deve ser dito diversas vezes): estive um tempo afastado, mas este blog não morreu. Confesso que fiquei feliz pelo fato de mais de uma pessoa ter me questionado acerca da ausência de postagens. Afinal, mesmo que o destinatário final dessas palavras seja eu mesmo, ou em último caso o leitor-gasparzinho, é bom saber que alguém as lê, apesar de não as comentar. Em qualquer caso, te cuida, Reinaldo Azevedo!

Hoje, dois episódios me levam a falar de amizade. O primeiro ocorreu quando, indo sacar dinheiro, encontrei um amigo distante, que há muito não via. Sujeito mais ou menos, mas com quem já tomei diversas cervejas e que sempre me tratou muito bem. Ele chegou ao lado do meu carro, onde estavam, intrépidos na luta contra o frio, a Juliana e o Felipe. Não os viu, e falou comigo apenas coisas daquelas que se falam no reencontro de amigos já distantes: boa surpresa te ver, temos que nos falar, como estão as coisas, vamos nos ligar, mesmo (percebi que ele nem sabia que meu filho nasceu há mais de quatro meses). O segundo ocorreu quando, já no firme andar da madrugada, deparei-me com um e-mail de outro amigo, este bem mais do que menos, com quem já tomei considerável parte da produção das cervejarias nacionais, mas com quem tenho inúmeras divergências, questionando, de modo geral, por que as coisas mudam entre os amigos. Daí o título dessas colocações.

Acontece que, por mais desesperançoso que pareça, a amizade dura no convívio e se perde na distância. Amigos, salvo raras (e lindas) exceções, são amigos quando juntos, passando ao processo de retorno à estranheza quando da cessação do convívio. É duro e parece plenamente negável por exemplos próprios, mas é assim que as coisas acontecem, inexoravelmente. Explico.

A amizade entre as pessoas, ao contrário do amor carnal, é leve, isenta de ciúmes, convive bem com outros amores semelhantes e penetra profundamente no coração daqueles que a possuem, geralmente sem dor - sensação esta que não raro acompanha os amantes. Surge das mais diversas formas e não possui um ideal para se amoldar, ao contrário do amor carnal, que sempre compara e espera. A amizade é um amor que flui, e que com a convivência é fomentado e traz tesouros preciosos àqueles que o cultivam.

E é justamente porque a amizade é mais leve que se esvai mais facilmente, mesmo contrariamente à vontade dos amigos, pelo distanciamento. A amizade nasce e cresce no âmbito de convivência mútua (escola, trabalho, cidade, rua, clubes, igrejas, paradas de ônibus etc). Como hoje em dia os destinos são traçados com amplitude individual muito maior que outrora, é quase impossível que amigos cresçam e convivam intensamente durante o resto de suas vidas juntos. Muda-se de trabalho? Mudam os amigos com quem se convive. Muda-se de cidade? Mudam-se os amigos, idem. A amizade, em sua práxis, é condicionada à intensidade da convivência. A vida como ela é.

Contudo, o amor-amigo não morre. É ele que faz com que amigos distantes se encontrem e sintam-se eufóricos, sentindo-se plenos como se tivessem se visto há poucas horas. Desconheço coração em que não caiba mais uma bela amizade, sem que isso implique o uso do espaço de outra. Mas o tempo, esse não dividimos igualmente entre os amigos, porque passa por nossas mãos sem o percebemos e nos é impossível deter seu curso. Eis, então, o paradoxo: a amizade (convivência) vai, enquanto o sentimento dos amigos (amor) fica.

Essa constante mutação de amigos, que não me agrada muito, friso, é uma realidade. Respeitando opiniões contrárias, só não enxerga quem não quer. Isso tudo pode ser bom, ou não, de acordo com o olhar de cada um. Toda a gama de instrumentos de comunicação torna viável o conhecimento raso de um sem número de outros passageiros da nave Gaia. Essas possibilidades permitem o contato e a troca de experiências entre diferentíssimos, o que é interessante, sem dúvidas. Entrementes, muitas vezes faz com que acabemos por não conhecer ninguém tão bem quanto aqueles amigos vizinhos que, morando próximos, estudaram na mesma escola, jogaram futebol juntos durante toda a vida e possuíam interesses semelhantes.

Enfim, nada mudou, só o tempo passou e a vida seguiu, o que não impede novos e ótimos futuros momentos de amor fraternal, que não devem ser muitos, mas como Vinícius, serão eternos enquanto durarem.

Bem disse aquele que lembrou que os amigos são a família que nós mesmos escolhemos.

Um comentário:

  1. Caro amigo,

    Embora um pouco tarde, deixo aqui meu elogio pelo belo texto. Uma sensibilidade que quem te conhece sabe que te é natural.

    Busquemos então estes "novos e ótimos futuros momentos de amor fraternal".

    Beijão pra ti e pra tua família meu velho.
    OBS: Não esqueça: "Darwin te ama!"

    Egg

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