terça-feira, 30 de junho de 2009

As religiões e a religiosidade


Para o horror daqueles que consideram as religiões como o ópio do povo, em pleno início de século XXI, o mundo ainda está dominado por elas. Pensando nisso, cheguei à conclusão de que por estarmos perto demais do tempo em que quem mandava eram os homens de batina, não conseguimos nos desvencilhar das consequências de anos do pensamento limitado pela religiosidade. O tempo em que as posturas de comportamento no tecido social era ditadas pelos senhores ditos responsáveis pela palavra de um Deus, ou de muitos deuses, cá entre nós, reles habitantes da Terra, para bilhões ainda não passou e, mesmo para aqueles que já ensaiam pensar por si mesmos, afastando os dogmas teocráticos, esse tempo ainda não passou direito.

Digo isso porque tenho exemplos claros em mim mesmo, em minha família e nos próximos a mim desse apego à religiosidade pragmática. Para mim, que creio, o que posso dizer de Deus é que sabemos tão pouco sobre Ele que aceitar (e sustentar) verdades imutáveis é leviano, e do pouco que sabemos, achar que Ele está em alguns lugares, junto com algumas pessoas, e com outras não, é menosprezá-lo. Se a ciência vem comprovando a interligação entre os eventos físicos, como crer num Deus superior e tentá-lo explicá-lo com a lógica humana (muitas vezes encontrada séculos e séculos atrás)? Como achar que toda forma de manifestação de qualquer coisa (escusas pela redundância) não é de Deus? A questão é que moldamos Deus à nossa própria lógica e aos nossos interesses, há séculos. Construímos e destruímos impérios, mudamos os deuses às vezes, mas em regra, não vivemos desacompanhados de divindades. Talvez por isso, mesmo preferindo acreditar na livre relação com a religiosidade e com a espiritualidade (mas relação contínua), do que no pragmatismo individual de buscar Deus num templo e deixá-lo por lá mesmo, para só re-encontrá-lo na próxima oportunidade, não deixarei de batizar meu filho.


É difícil debater um assunto que não é posto no rol das ideias que podem e devem ser aperfeiçoadas ao longo da vida. Religião não se discute, não se muda; segue sempre a mesma e deve ser passada de geração em geração. Esse é o clichê. E é daí mesmo que advém os problemas. Não chegarei no jogo político da religião no Império Romano, nas Cruzadas e nas guerras religiosas da Europa medieval, e nem debaterei o catastrófico catequismo dos indígenas no Brasil, nem o conflito Israel x Palestina ou o poder dos aiatolás no Irã. O que quero apontar é que, mesmo dominando inúmeras tecnologias, globalizando o mundo e já preocupando-se em minimizar os estragos, o homem não deixa de ajoelhar-se, de considerar-se parte de uma ordem maior. Há teorias, teorias e teorias, mas a fé, embora por vezes calada, continua lá, como sempre esteve.


Pensando sobre o assunto, a tentação de ir adiante numa direção ou em outra é enorme. Mas limitar-me-ei a só reafirmar: apesar de todo o mais, não abandonamos os deuses.


E pra não ficar chato, vai a minha história preferida sobre religião, de autoria desconhecida.

"Um jovem rabino, inquieto com os mistérios da religiosidade, decidiu abandonar seus estudos e partir numa viagem pelo mundo. Dizia aos seus superiores que devia haver um motivo para que tantas pessoas vissem Deus com perspectivas diferentes, e estava disposto a descobrir por que todos não seguiam a mesma religião, por que tantos guerreavam em nome de suas verdades religiosas, por que não se entendiam. Mesmo desaconselhado pelos mais velhos, partiu.


Viajou por anos, conheceu todo o tipo de lugares e pessoas, e tomou extensos apontamentos. Registrou histórias de povos e suas crenças, conheceu pontos de vista diametralmente opostos sobre as mesmas crenças, foi de porta em porta nos lugares onde esteve, não perdeu uma única oportunidade sequer de conversar com os sábios e doutos sobre os princípios que regiam cada religião. Foi envelhecendo e, certo dia, deu-se por conta que o peso de seus diários de viagem já era grande demais para ser carregado, bem como que estava cansado. Frustrado, decidiu retornar.


Ainda longe de seu país, mais confuso do que quando jovem, parou para descansar numa sombra, à beira de um milharal. Observou um agricultor adubando pés de milho ainda pequenos, que ao lhe ver, foi ter com ele, ofereceu-lhe água e olhou com admiração para seu tipo físico e para todo o aparato de coisas que carregava. Tímido, bradou:


- O senhor deve ser muito importante. É um homem letrado, não tem as mãos calejadas do trabalho duro debaixo do sol. Fico feliz pelo senhor, gostaria de saber ler também...

- Não pense que é tão bom assim, amigo... Estou convicto de que você, mesmo sem saber ler, consegue dormir em paz à noite, encontra um motivo para seguir adiante todo o dia. Há anos saí para procurar o meu motivo para seguir em frente, e devo confessar-lhe que não obtive sucesso.


Humildemente, o agricultor se ofereceu, solícito:


- Ora, mas tudo há de ter uma razão doutor... se o senhor disser o que é, posso lhe ajudar a procurar, dentro do possível.


O viajante riu por dentro, mas o brilho no olhar daquele homem simples tocou seu coração. Não lhe custava compartilhar um pouco da sua angústia, mesmo que fosse para fazer aquele homem rude se sentir importante.


- Procuro Deus, meu caro. Há muitos anos estudo os textos sagrados do meu povo e de vários outros povos, tentando entender por qual razão Ele não aparece a todos nós da mesma forma, por que permite que tantas coisas diferentes sejam ditas e ensinadas sobre Ele. Procuro entender seus caminhos, para me aproximar dele, procuro saber onde Ele está e que o espera de nós.


O agricultor escutou atento, arregalando os olhos. Baixou a cabeça, colocou a mão no queixo, olhou os campos ao seu redor, em um profundo silêncio. O já não mais jovem rabino sorriu, pronto para agradecer a água e seguir viagem, quando escutou as palavras mal articuladas do homem do campo, que contemplava, respeitoso, o anoitecer chegando no horizonte:


- Óia... eu não conheço outras religiões, e nem mesmo li sobre a minha. O pouco que sei da vida, aprendi por mim. E o senhor veja, eu planto milho... daqui da minha terra até o armazém da cidade, onde vendo o que colho, é um longo caminho. Eu posso escolher ir de balsa, onde posso colocar todo a produção, e viajar devagar pelo leito do rio. Eu posso também colocar uns sacos no lombo do burrinho que eu tenho e ir pela estrada, ou posso alugar uma junta de bois-de-carro e levar o meu milho e dos meus vizinhos de carroça. Indo pela estrada, eu posso atalhar por uma floresta, encurtando meu caminho, posso tentar passar pelo meio de um banhado e ganhar um dia de viagem, ou posso seguir ou duas encruzilhadas diferentes... dependendo do jeito que eu ir, levo mais ou menos milho, e demoro mais ou menos tempo pra chegar...


- Entendo, entendo - disse, em tom de impaciência, o viajante. Mas o que o senhor quer me dizer, onde está Deus no meio disso tudo?


- Pois é isso, doutor... é que não importa o jeito que eu resolver fazer a viagem, e nem importa tanto o quanto eu vá demorar pra chegar. Quando eu chegar lá , o dono do armazém não vai querer saber como eu vim, quanto tempo demorei ou por onde estive... ele só vai querer saber se o milho é bom."









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